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segunda-feira, maio 31, 2004

  • ACULTURAÇÃO




    Não há nenhum consenso sobre a definição deste conceito. Há geralmente duas visões que se complementam, duas áreas de estudo se quisermos ser mais específicos.
    A Primeira vem da Psicologia Social-nesta área do conhecimento a Aculturação é entendida como Inculturação-inerente a todo o percurso de socialização estando associada a todo o processo de construção das diversas individualidades pessoais.
    Para a Antropologia Cultural, pelo seu turno, Aculturação é entendida como o resultado de fenómenos originados pelo contacto de indivíduos de culturas distintas.
    É mais no sentido da Antropologia Cultural que o conceito de Aculturação é aqui referenciado-a forma como indivíduos de grupos minoritários se relacionam dentro de uma sociedade que os diferencia. Ou quando se diferenciam da mesma, derivado de características consideradas anómalas.
    No entanto, sempre que falamos de Aculturação estamos sempre a falar de uma interacção dialéctica em que dois pólos contribuem para que essa osmose se realize ou que seja possível.
    Como é sabido, é sempre a sociedade dominante (naquilo que constitui a chamada maioria abstracta) que determina o quando, o onde e o como é que essa Aculturação se realizará.
    Neste caso em relação à sociedade dominante, comunidades como a cigana ou a africana, a exemplo de muitos outras comunidades imigrantes, acabam por ter mais características de uma mera micro sociedade receptora do que um grupo coeso que possa fazer valer as suas identidades culturais.
    É por isso que, por exemplo, grandes traços da cultura cigana se foram perdendo. Porque no seio de uma sociedade em que os padrões de normalização estão fortemente definidos, eles não deixam de ser um grupo excluído e com características marginais. Dessa maneira quaisquer que sejam as manifestações desta comunidade, para os olhos da mesma sociedade dominante, elas serão quase sempre consideradas nocivas, até mesmo com fortes características de serem proscritas.
    Quando se fala em Aculturação, qualquer que seja a situação que estejamos a avaliar, está-se sempre a falar de mudança e de evolução. Até mesmo o próprio conceito não traz nada de estático, é continuamente alvo de novas interpretações e abordagens.
    É a própria evolução da sociedade que impulsiona os próprios conceitos a mudarem, a surgirem novos, a serem abandonados. Tal como a língua ou a linguagem, redimensiona-se, evolui, muitas vezes transforma-se noutra coisa.
    Há dois modelos axiomáticos que julgo ser sempre importante referir quando estamos a falar de aculturação e que acho bastante pertinentes.
    Trata-se da Teoria da Identidade Social de Tajfel e o Modelo de Berry. Sociólogos como José Machado Pais utilizam com muita frequência a junção destes dois modelos, visto eles conseguirem encarar o fenómeno da Aculturação não como algo estático, mas como um processo multilinear de construção de identidades pessoais minoritárias no seio de identidades colectivas-os chamados “grupos” das ditas sociedades dominantes.
    Tanto para um como para o outro a Aculturação deixa de ser encarada apenas nos seus aspectos macro (relações entre países, por exemplo) para, também, poder ser transposta para o campo de análise das relações entre os indivíduos, nomeadamente na construção das suas identidades pessoais e sociais. Trata-se, no fundo e tendo sempre presente esta noção, de um processo contínuo e dialéctico de interacção social e humana.
    Sendo assim, com base no trabalho, ou na noção destes autores, encontramos a Aculturação não como algo estático, mas como algo que reveste diversos graus ou dimensões.
    Dentro dessa mesma Aculturação estamos diante das seguintes dimensões:

    1- Integração
    2- Assimilação
    3- Separação
    4- Marginalização

    Estas quatro dimensões, que o conceito Aculturação alberga, estão presentes em Berry através de duas perguntas particulares. Perguntas estas que o indivíduo considera pertinentes porque vão de encontro à sua relação com a sociedade dominante, ou a sociedade dos que dominam.

    - Considero importante para mim a manutenção da minha identidade e características culturais?
    - Considero importante para mim a preservação da relação com outros grupos?

    Com base nestas respostas, Berry estabelece uma relação associativa com cada uma das dimensões que o conceito Aculturação alberga: Integração, Assimilação, Separação e Marginalização.
    Quando positiva a resposta às duas estamos diante de integração- manutenção da integridade cultural do grupo de pertença assim como uma relação positiva para com a sociedade de acolhimento.
    Quando negativa para a primeira e positiva para a segunda estamos diante de assimilação-perda total da identidade cultural de origem e de uma opção pela interiorização das normas da sociedade de acolhimento (ou da sociedade dominante).
    Quando positiva para a primeira e negativa para a segunda estamos diante de separação-mantém e preserva a identidade cultural do grupo de pertença mas opta por uma estratégia de rejeição das normas e dos valores da sociedade de acolhimento.
    Quando negativa para as duas estamos diante de marginalização-traduz-se na perda total da relação da cultura de génese e por uma não participação na sociedade de acolhimento. Caracteriza-se por sentimentos individuais de ansiedade, confusão, alienação, terminando o processo numa situação de stress aculturativo.
    Embora este modelo não possa ser aplicado na íntegra, nem ele constitui em si nenhum método exacto, ele não deixa de conseguir tratar a questão do relacionamento entre o Eu e o Outro com bastante realismo de análise. A pergunta é sempre feita em relação ao indivíduo, neste caso a um indivíduo de um grupo minoritário, e não tanto à sociedade como um todo.
    Transpondo-o para qualquer que seja a área em causa: cultura, religião ou linguagem ele não deixa de encontrar muitos fios condutores.


    RICARDO MENDONÇA MARQUES